quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tempo de mudança

Bem, hoje deu para vocês lerem muito, pensarem muito e discutirem muito sobre o que foi apresentado. No Tempo de Mudança de hoje, em vez de cair em Déjà Vu e voltar a dizer para que serve isto e/ou dar ideias para comentários, opiniões e temas a discutir, vou responder a alguns comentários que tenho visto em relação a este tema. Ouvi dizer já 2 ou 3 vezes ao longo desta semana que está tudo bem no blog excepto mesmo este tema. Mas para vos pôr a pensar novamente eu vou expôr aqui o meu argumento em relação a isso. Nenhum blog é perfeito e toda a gente sabe que quando aparece algo diferente num blog ou é genial ou é de certo modo estranho e demora a fazer habituar. Na minha opinião este tema é o mais único que há no blog, visto que mais nenhum blog tem isto. Não seria um blog diferente dos demais se pusesse só post e mais post e mais post e mais nada. Aqui posso fazer um sumário do dia, da semana e do mês se me apetecer, é onde posso falar livremente e directamente aos leitores (o que também faz lembrar uma das características da Nouvelle Vague: os actores falarem directamente para a câmara com o espectador pela primeira vez no cinema), ouvir os leitores e saber a opinião deles sobre tudo no intuito de fazer um melhor próximo post, e ir melhorando o blog futuramente. O que é certo é que se está a gerar um frenesim à volta deste blog e há demasiados leitores, e não se pode agradar a todos. Lembrem-se o que disse James Hetfield em relação a este assunto de agradar aos fãs: o que separa o artista dos meros fãs é que se eu começar a dar ouvidos ao que os fãs dizem e fazer tudo o que pedem, eu já não sou o artista, vocês são. Portanto compreendam isto e dêem-me liberdade para postar esta espécie de sumário como talvez alguém escreveria num daqueles diários antes de se ir deitar como um resumo do dia. Comparem também isto com a História de Portugal e do mundo para compreenderem a construcção da história deste blog: conhecendo o passado podemos compreender o presente para construir um melhor futuro. É esse lema que eu aproveito para explicar a estratégia para o blog ser melhorado. Agora que escrevi algo mais consistente neste tema, comecem a considerar isto como um tema a sério e menos como um tema de transição entre posts, completamente desnecessário. Se ainda assim não concordam, comentem. Eu terei todo o prazer de escutar todo o diferente tipo de argumentos que o vosso cérebro tem capacidade para congeminar. Se concordam, façam-se ouvir, para que eu e os fãs desagradados compreendam que não é só teimosia minha sem qualquer fundamento.

Ó tio... ria!

Às quintas-feiras vamos pensar a sério. É talvez um dia em que não vamos ter tantos leitores porque é um dia mais intelectual. Hoje é o dia em que vamos expor teorias e discutir sobre elas. Hoje vou começar por falar de uma teoria cinematográfica: a Teoria Realista segundo André Bazin. Todas as semanas vocês podem enviar para o meu e-mail uma teoria vossa que tenham estado a desenvolver, ou com uma teoria bem desenvolvida que vocês gostem. Podem também ser teorias da treta com um pouco de verdade à mistura ou simplesmente algo que faça as pessoas pensar e querer falar sobre isso. Portanto não percam a oportunidade. Para discutirem sobre a teoria aqui apresentada comentem mesmo no post, mas se tiverem alguma teoria não a escrevam aqui porque eu não leio os comentários e não a vou buscar aqui. E não é realmente necessário matarem-se a escrever para eu colocar a teoria aqui, mas também não escrevam um esboço de 3 ou 4 linhas.


Teoria Realista - André Bazin


Bazin foi talvez o primeiro crítico a perceber e a analisar a mudança fundamental que ocorreu no cinema nos anos 40 e no pós-guerra, a separação entre um primeiro cinema (realista) e um cinema moderno (neo-realista). O que fazia esse novo cinema diferente e o que nele possibilitava essa nova relação com o espectador, ou, ao contrário, o que aconteceu ao cinema e ao mundo para que se buscasse uma nova relação filme-espectador, seriam questões fundamentais para a análise e para a crítica de cinema feita por Bazin. É em relação a dois dos principais pontos da estética cinematográfica clássica (a dramaturgia e a montagem) que Bazin vai estabelecer as diferenças mais significativas entre realismo e neo-realismo. No que diz respeito à dramaturgia, Bazin vai ver, em certos realizadores italianos como Rossellini, Visconti e De Sica, uma maior liberdade em relação às regras da necessidade dramática herdadas do teatro e uma quebra com os mecanismos do espetáculo, que até então teriam dominado o cinema. A utilização de actores não profissionais e de cenários naturais, é, para Bazin, mais do que artifícios contingenciais da realização cinematográfica, elementos de uma crítica ao cinema-espetáculo. O intérprete (escolhido unicamente por seu comportamento geral), passa a ser em vez de se expressar. O cenário natural reduz as possibilidades de controlo e de obtenção de efeitos de luz e de cenografia permitidos pelo estúdio, e põe em jogo "o acaso" como criador. A crítica de Bazin à montagem realista, ou melhor, ao tipo de montagem corrente nos anos anteriores à segunda guerra mundial, da mesma forma que a sua crítica à dramaturgia clássica, pode ser entendida claramente como a defesa de um certo "específico cinematográfico", redefinido por ele. Em vários textos célebres, como "Ontologia da Imagem Fotográfica", "Montagem Proibida" e "A Evolução da Linguagem Cinematográfica", Bazin vai tratar dessa "essência" realista que caracterizaria o cinema, dessa sua propriedade particular de representar melhor o real, de obter uma adequação exacta entre a imagem e o objecto. Identificando na história das artes plásticas a história da semelhança e do realismo, Bazin vai ver na fotografia e no cinema a chegada a um estágio especial dessa história (a chegada a um realismo talvez definitivo) e a solução de contradições sempre presentes na pintura:

"A pintura esforçava-se, no fundo, em vão, por nos iludir, e esta ilusão bastava à arte, enquanto a fotografia e o cinema são descobertas que satisfazem definitivamente, por sua própria essência, a obsessão de realismo. Por mais hábil que fosse o pintor, a sua obra era sempre hipotecada por uma inevitável subjectividade. Diante da imagem uma dúvida persistia, por causa da presença do homem. Assim, o fenómeno essencial na passagem da pintura barroca à fotografia não reside no mero aperfeiçoamento material mas num facto psicológico: a satisfação completa da nossa ânsia de ilusão por uma reprodução mecânica da qual o homem se achava excluído."

A grande contradição da pintura, ou o seu grande defeito ou limitação, era, para Bazin, a sua falta de objectividade.
Os passos iniciais do cinema e de seus primeiros grandes autores parecem ter seguido, de certa forma, o caminho das artes plásticas. O valor dos primeiros filmes restringia-se, mais uma vez, ao sucesso da concretização de uma ilusão. Deixando de lado as suas possibilidades como mecanismo automático de apreensão do real, o cinema herdaria, com isso, as contradições da pintura e continuaria a insistir na ideia da intervenção humana como operadora da ilusão e como criadora de significado e de discurso a partir da imagem.
Tanto Eisenstein quanto Griffith, entre outros, teriam entendido a montagem como o grande elemento criador do cinema, recurso através do qual o realizador produz o sentido que deseja dar à imagem, discursa livremente e cria sua visão de mundo. Bazin fará a crítica dessa compreensão da montagem. Ele detecta no cinema de 1920 a 1940 a existência de realizadores que acreditam na imagem e realizadores que acreditam na realidade. Os realizadores que acreditam na imagem são aqueles que, para Bazin, acrescentam, através de recursos plásticos (o cenário, a maquilhagem, a interpretação, a luz, o enquadramento) e de montagem, elementos exteriores ao facto representado. Em outras palavras, acrescentariam imagem à realidade, ou transformariam a realidade em imagem. O "cinema da realidade" representava a decadência de uma certa estética cinematográfica e a reaproximação do cinema com a sua vocação realista, ou seja, com aquilo que vimos ser a mais importante potencialidade do cinema para Bazin: a apreensão directa do real e a superação das contradições herdadas da história das artes plásticas. O cinema de Godard, que Bazin não pôde conhecer, demanda grande participação ao espectador, e, ao mesmo tempo, profundamente montado, discursivo e ideológico. A ambiguidade não vem do tema ou da imagem, em si, contínua e sem cortes, mas da opção do realizador de produzir um discurso que não determina para si uma unicidade de sentido e deixa para o espectador, em certa medida, a tarefa de fazê-lo. Andy Warhol, com os seus filmes de oito horas sobre o Empire State Building ou simplesmente a mostrar um homem a dormir poderia ser compreendido como um neo-realista radical, que tirou do filme todo o conteúdo dramático e toda a acção para, reduzida a montagem ao mínimo necessário, mostrar a realidade de um evento em toda a sua extensão, em toda a sua duração, obtendo uma estrutura temporal o mais próxima possível da passagem real do tempo. Teria levado, com isso, o cinema à inexistência, ao desaparecimento total de seus elementos (actores, enredo, mise-en-scène), chegando muito perto do que Bazin teria previsto como o filme mais realista possível (nada de actores, nada de história, nada de cinema). Mas Warhol não era um neo-realista e relacionar as suas ideias às de Bazin serve mais, aqui, para ilustrar, a teoria cinematográfica de Bazin. Mas Andy Warhol, que não era mesmo neo-realista, não pretendia com os seus filmes dar lugar à realidade ou encontrar um expressão perfeita para o real em arte. A intenção dele era de modificar a relação filme-espectador. É claro também que quando Bazin fala contra a montagem e contra a intervenção excessiva do cineasta, ele está-se a dirigir directamente a um cinema que o desagradava: o cinema anterior à segunda guerra. É complicado submeter a sua teoria a algo que veio depois dela. Mas, no entanto, essa análise é válida porque mostra que a ideia do específico cinematográfico, qualquer que ele seja, montagem ou realidade, não pôde ser corroborada pelo que ocorreu a seguir com a arte cinematográfica. Além disso, confirma-se que o cinema não é um meio privilegiado de representação da realidade e não é realista por natureza. Mas o que mais importa, a despeito de todas as críticas que se pode fazer à obra de Bazin, é, segundo Labarthe, o caminho do pensamento, a clareza da demonstração, o rigor da análise. Bazin deixou uma obra importante sobre o cinema moderno, bastante reveladora sobre os seus princípios.